24 de jun. de 2011

A Flauta no Choro

"As flautas têm acompanhado o homem desde o princípio de sua história. Feito de ossos, madeiras, metais, todos os povos têm se comunicado através deste que é, no dizer do compositor francês André Jolivet, o instrumento musical por excelência, pois é animado pelo sopro, emanação profunda do homem, e carrega em seus sons aquilo que nos é, ao mesmo tempo, visceral e cósmico." 
 
(Toninho Carrasqueira)
 


Também os homens do continente americano vêm, ao longo dos tempos, se expressando ao som de suas Quenas, Sampoñas, Pífanos de bambu, Ocarinas de argila, bem como de suas modernas flautas de ouro e prata, que são herdeiras, descendentes de todas as primeiras flautas. Seu universo cultural, extremamente rico, é, na imagem do prof. Alfredo Bosi, "um coro onde as vozes da Europa, da África e da Ásia se fundem, ora harmônica, ora estridentemente, com os cantos, ainda não abafados dos povos pré-colombianos". O vigor de sua arte impressiona a todos os que têm o privilégio de com ela travar conhecimento.

As flautas estão presentes desde tempos imemoriais em praticamente todas as culturas do planeta, incluindo as dos diferentes povos indígenas, africanos e europeus, matrizes recentes do atual povo brasileiro. Diferentes mitologias se referem a deuses flautistas, Pan, Krishna, Kokopeli… divindades sedutoras, que têm o dom de transportar as almas com o som de suas flautas.

No Brasil... terra boa e gostosa ... terra de grandes músicos, e de excelentes flautistas, de norte ao sul do país, vemos virtuoses, seresteiros, chorões, "jazzistas", "concertistas", roqueiros, sambistas, mestres e aprendizes desse instrumento presente, desde os mais remotos de nossa história, na música de nossa gente. Muitos desses artistas permanecem desconhecidos do grande público, outros têm condições de aparecer mais e mostrar sua arte, mas o fato é que sempre houve grandes flautistas e, sobretudo, muito atuantes na história da música brasileira.

Joaquim Callado, Viriato Figueira, Mathieu André Reichert, Pattápio Silva, Pedro de Assis, Duque Estrada Meyer, Pixinguinha, Agenor Bens, Ary Ferreira, Benedito Lacerda, Vicente de Lima, Moacir Licerra, Lenir Siqueira, Alferio Mignone, João Dias Carrasqueira, Manezinho da Flauta, Bide, Dante Santoro, Eugênio Martins, Copinha, Carlos Poyares, Luiz Fernando Sieciechowicz - o “China” -, Simone Castrillon, entre os que que já se foram, e Andrea, Beth e Odette Ernest Dias, Altamiro Carrilho, Hermeto Pascoal, Celso Woltzenlogel, Rogério Wolf, Lucas Robatto, Marcelo Bonfim, Renato Axelrud, Ricardo Kanji, Marcelo Barboza, Maurício Freire, Toninho Guimarães, Artur Andrés, Artur Elias, Beatriz Magalhães, Edson Beltrame, Heriberto Porto, Cassia Carrascoza, Fernando Pacífico, Daniel Allain, Franklin da Flauta, Marcelo Bernardes, Mauro Senise, Ariadne Paixão, Mauro Rodrigues, Marcos Kiehl, Dirceu Leite, Léa Freire, Norton Morozowicz, Teco Cardoso, Tota Portela, Sérgio Barrenechea,Nivaldo de Souza, Alexandre Johnson, Eduardo Neves, Laura Rónai, Tyrone Mandelli e Rodrigo Y Castro, entre outros bons, são algumas das estrelas desta verdadeira constelação.
 
Pode-se dizer que a história moderna da flauta brasileira, começa com Joaquim Antônio da Silva Callado Jr. (1848-1880) embora, como já foi dito, já houvesse muitos flautistas antes dele, incluindo-se aí o próprio imperador Pedro de Alcântara, Dom Pedro I. Outro nome importante, foi Matheus André Reichert (1830/1880), flautista belga que chegou ao Brasil em 1859 para integrar o grupo de virtuoses que o Imperador, D. Pedro II, mandou contratar na Europa.

De Callado até hoje, no choro, nas serestas, nas orquestras de cinema, bandas e orquestras sinfônicas, nos grupos de jazz, rock, ao longo dos tempos e nos diferentes estilos, os flautistas vêm participando de forma muito importante da história da música no Brasil.Além dos virtuoses já citados, outros criadores, como Tom Jobim, Tim Maia, Egberto Gismonti, que mesmo sem tê-la como instrumento principal, também gostavam gostam de tocá-la. Fazem parte de uma tradição muito rica, na qual cada flautista tem um som diferente, original, de características próprias, assim como o canto do canarinho é diferente do canto do curió e do sabiá laranjeira….


Callado foi contemporâneo de Mathieu André Reichert, virtuose belga, trazido ao Brasil pelo imperador Pedro II.


Flautista prodigioso, Callado foi o músico mais popular de seu tempo. Criou o conjunto Choro Carioca, o primeiro com a formação instrumental básica do choro: flauta, dois violões e cavaquinho. Começou a estudar música com o pai e aos oito anos de idade teve, durante pouco tempo, aulas de música com Henrique Alves de Mesquita, antes da viagem do maestro à França. Tornou-se profissional desde cedo tocando peças eruditas e músicas dançantes em bailes e festas familiares. Seus companheiros de choro foram Silveira, Viriato Figueira, Luizinho, Juca Valle e outros.

O primeiro sucesso de Callado foi a polca Querida por Todos, dedicada a sua amiga Chiquinha Gonzaga. Em 1873, Callado apresentou pela primeira vez um lundu como peça de concerto, intitulado Lundu Característico. A polca Cruzes, Minha Prima!, publicada em 1875, também foi um de seus grandes sucessos, chegando a ser citada pelo romancista Lima Barreto em Clara dos Anjos: "Os velhos do Rio de Janeiro, ainda hoje se lembram do famoso Callado e das suas polcas, uma das quais, Cruzes, Minha Prima!, é uma lembrança emocionante para os cariocas que estão a roçar pelos setenta". Foi professor de flauta do Imperial Conservatório de Música (cujo prédio hoje abriga o Centro Cultural Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro). Em 1879, recebeu de D. Pedro II a mais alta condecoração do Império: a Ordem da Rosa, como comendador, junto com os demais professores do Conservatório. Em 2002, foi lançada pela gravadora Acari Records uma caixa comemorativa com 5 CDs contendo a obra remanescente de Joaquim Callado (66 músicas), gravada por diversos artistas de choro de todo o Brasil.

A novidade de sua música, que nascia com características brasileiras, traduz uma época, a do Brasil, sobretudo do Rio de Janeiro, pós-guerra do Paraguai, quando o país passava por profundas transformações sociais e a sociedade se amalgamava, reformulava conceitos, criando uma identidade nova e própria.Vários escravos voltaram da frente de batalha como heróis, condecorados pela coroa. Par e passo com seu meio ambiente, com o contexto histórico em que vivia, Callado tornou-se ator dessa história .

Com sua sensibilidade e criatividade contribuiu decisivamente para o nascimento de uma música que traduzisse o gesto, a alma, o jeito daquele povo que nascia. Teve como mestre e contemporâneo, outro grande criador-iniciador desta linguagem musical brasileira, Henrique Alves de Mesquita.

De personalidade cativante, Callado foi um grande virtuose e excelente compositor como atestam suas polcas, valsas e quadrilhas, gravadas nas séries "Princípios do Choro", da gravadora Biscoito Fino, e "Joaquim Callado, o Pai dos Chorões", da Acari Records.

Ambos muito atuantes, foram personagens importantes da sociedade carioca. O "Divino" Reichert, como a ele se refere Pedro de Assis, em seu Manual do Flautista, era considerado o maior flautista do mundo. O compositor Carlos Gomes lhe dedicou um lindíssimo solo que integra a óperaJoanna de Flandres. Reichert chegou a viajar por vários estados brasileiros. Era muito admirado. Odette Ernest Dias gravou um lindo disco dedicado a suas composições e escreveu um belo trabalho sobre Reichert Matheus André Reichert, um flautista belga na corte do Rio de Janeiro.

Considera-se que essas duas grandes figuras – Callado e Reichert -, ambos também compositores, estão na base do que seria uma escola brasileira de flauta, em cujo panteão de mestres irão figurar, mais tarde, Duque Estrada Meyer, Pattápio Silva, Agenor Bens, Pixinguinha, Benedito Lacerda, Ary Ferreira, Moacir Licerra, João Dias Carrasqueira, Odette Ernest Dias, Copinha, Expedito Vianna, Altamiro e Álvaro Carrilho, entre muitos outros menos conhecidos, mas não menos importantes.

(Trecho do Ensaio de Toninho Carrasqueira elaborado especialmente para o projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela Petrobras através da Lei Rouanet

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